quarta-feira, março 21

Eureca: óbvio!

O pior da boa idéia? não bebemorá-la, não realizá-la. O pior de se achar esperto? ser engolido pelo rato de laboratório, o rato público. Aquele que finge não saber de nada, aquele que finge não entender nada e que por trás, nos bastidores do jogo tirano, sujo, mortal, aplica a dose certa, omeopática, quase holística se não fosse destrutiva, do fel que impede a evolução.
Estou um tantinho irada, comigo mais que com os outros. Essa coisa de criar expectativa nos outros está fora de moda. Está fora de órbita. O lance moderno, contemporâneo é ser anônimo, ser atômico, ser transcendental. Atingir o topo de dentro para fora, alcançar a luz mesmo caminhando em trevas. Não estou batendo a porta de igreja alguma, nem ao menos creio no que pego, esse concreto é surreal e por isso mesmo não existe, nunca existiu!

o pior da boa idéia? é ter uma vontade quase sexual, frustrar-se, abafar-se, trancar-se dentro da limitação. Oh, coisa triste! sentir fome, ouvir a barriga falar, salivar, sentir o cheiro do prazer e não tocar se quer numa gotícula, num átomo desse momento sublime da condensação da criação.

E ai, a gente sente pena, sente vontade de fazer algo, ou de desfazer algos... Trancafiar esses ratos, distribuir chumbinho...Mas, ai nos vem uma real lembrança. O fato é: a gente é o que quer ser! e muda, e se tranforma, e morre, e nasce quando se permite... É óbvio! Eureca! O fato? a boa idéia só existe se... Ah!

domingo, março 11

Alô Locutor

A história que segue em forma de crônica é exemplo de como quando há sonho e desejo, o homem pode transpor até o limite da dor, até mesmo inventar a dor para atingir seus objetivos.


Lagoas, para quem não conhece é um lugarzinho que lembra quadro de nostalgia de infância. Fica a 135 quilômetros de Petrolina, no estado de Pernambuco, há doze anos era município de Petrolina, hoje o povoadozinho faz parte do município de Dormentes.
A história até que poderia ser contada sem poesia; sem eu ter que parar e me deleitar com gargalhadas e reflexões psicológicas. Cenas hilárias foram descritas com tanta minúcia que chego a sentir euforia.
O personagem principal é Aluísio Gomes, um publicitário, professor universitário, corretor de imóveis, ele é multifuncional em princípio por necessidade, hoje por opção. Um homem que tem muitos causos nordestinos para contar, dentre eles, o que marcou sua primeira vinda a Petrolina, nascido nas Cacimbas, Lagoas fundada pelo seu tataravô, Aluísio nutria em suas noites o sonho de ser locutor, mas nada aconteceu assim, por acaso. Tudo começou em 1968 quando seu pai finado Pedro e seu irmão Edvaldo trabalharam 28 dias numa construção de uma casa no sítio, com o intuito de como pagamento receber um rádio de pilha. Naquele tempo, nos matos, poucos possuíam tamanha tecnologia. Ele lembra com emoção a chegada do pai; montado no lombo do cabalo chamado ‘Caxias’ trazendo o mágico rádio. Em princípio olhos de admiração ficaram inertes esperando à hora de ouvir a magia das canções que saiam de dentro da caixa de madeira. Só quem podia ligar o rádio era seu Pedro, mas tarde D. Leonor (sua mãe). Aluísio tinha 11 anos, não continha a fascinação e pela madrugada acordava de mansinho, deixava a esteira apenas com o calor de seu corpo e ia de fininho ouvir a Rádio Globo do RJ, “A Turma da Maré Mansa” com Chico Anísio o programa “Seu Redator Chefe”, o Globo no Ar. A única Rádio de Petrolina que existia na época era a “Emissora Rural” que despertou nele o interesse por música, ouvia Gonzagão e Teixerinha. Decidiu que seria cantor, sua primeira composição foi realizada aos treze anos, começou a tocar violão, era autodidata, mas seu destino havia sido escrito pela lei cósmica, onde o homem é apenas o meio, a lei é superior, ele seria mesmo locutor. Foi quando nasceu nele uma idéia pra lá de doentia, esse é o mínimo que pode ser declarado nessa crônica. Decidiu que iria à Petrolina, conhecer a Emissora Rural e o radialista mais famoso da época: Carlos Augusto. Mas como convencer sua mãe, que era professora do município de Petrolina a trazê-lo a cidade?
- Para que se cumprisse à lei divina, nada seria impossível. Começou gemendo de dor. Passou três dias e três noites falando pra mãe que estava com dor no dente. Dente este; sadio, sadio... D. Leonor acabou se convencendo e trazendo o jovem Aluísio à Petrolina. Era o ano de 1971.
- A viagem foi cinematográfica: seca braba, caminhão que havia capotado, troncho de um lado, pára-brisa quebrado. DETALHE IMPORTANTE: o menino queria presentear o locutor Carlos Augusto com um jerimum que trouxe pesando cerca de 15 KG.
- Saíram por volta das 13h30 e chegaram às 17h30; a expectativa crescia com o tempo passando. Ficaram hospedados na casa de D. Gentil comadre de D. Leonor. O menino não dormiu estranhando tanto barulho, tanta diferença da cidade para a roça, barulho de carros... Cedinho de pé, aguardava o momento de sair rumo ao seu grande sonho. Fora deixado pela mãe, na frente da Emissora. A recepção foi feita por Carlos Adalto, ele lembra da gravata, camisa de manga comprida, coisa rara de se ver no mato.
- O menino nervoso pediu para ver o locutor Carlos Augusto, levou um chá de banco de 30 minutos, agarrado ao jerimum gigante, quando de repente ele é cumprimentado pelo locutor; a conversa foi rápida, não houve conversa apenas um pedido para que ele mandasse um ALÔ, a sua mãe, pai, irmãos de Lagoas, o jerimum foi entregue e o sonho de entrar para conhecer os estúdios limitados ao balcão da recepção. Saiu da Emissora direto para o dentista. Naquela época, era só apontar para o suposto dente doente e foi exatamente isso que ele fez.
- Dr. Jaime Nogueira, o homem que sem dó nem piedade arrancou-lhe um dente são. Mãe e filho voltaram à noite para Lagoas, Aluísio insatisfeito e já maquinando outra vinda à cidade do Rádio; o locutor não mandou o ALÔ, frustrando ainda mais nosso pobre menino, que não se conformava em ter perdido um dente sem ter sentido o prazer de pegar num microfone ou pelo menos ver um de perto.
- Depois de quatro meses, para gosto dele nasceu um bolso de sangue em cima de um outro dente, dessa vez não havia dor, mas era visível que havia algo de errado, foi rápido para convencer D. Leonor. No outro dia, ambos já estavam amontoados em cima de um caminhão carregado de gipsita trazida de Araripina seguindo rumo à Petrolina, ele mais uma vez perderia um dente, dessa vez uma voz lhe dizia que realizaria seu grande sonho, trouxe mais uma vez um jerimum, o maior que poderia colher de sua roça. Ficaram novamente na casa da comadre D. Gentil, foi quando pela primeira vez o jovem teve o prazer de desfrutar de um passeio à noite, pelas ruas de areia de Petrolina, passeio feito com o filho de D. Gentil até a Igreja Catedral, onde ele ficou embasbacado a admirar tamanha arquitetura e magnitude.
- Foi só no outro dia, às 7 horas da manhã, que voltou a se aproximar de seu sonho, voltou a Emissora Rural, deu o jerimum ao locutor Carlos Augusto, e lembrou que ele ficara devendo o ALÔ a sua família de Lagoas, mais uma vez não conheceu os estúdios, ficou com vontade de pedir para entrar, mas acanhado, teve vergonha e decidiu partir, saindo da Emissora, lembrou-se que quando ouvia o rádio de seu pai lá nas Cacimbas, ouvia uma outra rádio que se localizava em Juazeiro da Bahia, era a Rádio Juazeiro, foi então que decidiu também conhecê-la e marchou rumo à Bahia, pela ponte, a pé, agarrou-se com Frei Damião e Padim Ciço, o Programa que ouvia chamava-se “Uma Ponte e duas Cidades”, apresentado pelo radialista Clésio Atanásio, lembra que crônicas eram lidas escritas por Marta Benevides. O medo de cair da ponte passou, foi como se tivesse criado asas, o frio na barriga aumentava, mas ele não iria desistir. Chegando à Rádio, não só recebeu o ALÔ na hora, como conheceu os estúdios e confirmou sua vontade louca de tornar-se um locutor. Voltou feliz da vida, tinha até se esquecido que o Dr. Jaime Nogueira lhe aguardava para arrancar-lhe outro dente, também são, só meio inflamado.
- Voltou a Lagoas, com muita história pra contar, com dois dias depois ouviu o ALÔ de Carlos Augusto e se encheu de orgulho e graça frente aos amigos. Passou a treinar sua voz, com latas, caixinhas de fósforo. Dois anos e três meses se passaram quando o agora jovem rapaz decide morar em Petrolina, trazendo na mala o sonho de menino, ele seria sim, um locutor. Começou lendo evangelhos na Igreja, narrava jogos de futebol na rua sozinho, quem o via falar sozinho só zombava, achando esquisito, o jovem rapaz era apontado como louco. Foi aí que surgiu a grande oportunidade: um Programa de Calouros- “Domingo de Atrações”, datava o ano de 1976, concurso para locutor, ele se inscreveu, passaram-se meses e nada dele ser chamado para os testes, até que decidiu ir lá, quando descobriu que não haveria mais o concurso. Mas nada acontece por acaso como diz a filosofia popular, quem lhe informou foi Jorge Augusto, locutor esportivo que de cara lhe convidou para ser repórter esportivo num único jogo de futebol. Assustado, mas com a determinação que sempre esteve presente na sua vida Aluísio aceitou, foi aí que seu sonho começou a ganhar forma. Passou a ser estagiário, reserva do reserva durante meses sem receber um tostão, ele sabia que o estágio não poderia durar para sempre, foi ameaçado de ser dispensado, quase viu seu sonho ganhar rumo as Cacimbas, quando Jorge Augusto fez sua defesa e por fim realizando seu sonho, foi contratado para dar a “Hora Certa” era o ano de 1976; um ótimo começo, para ele um excelente começo, porque enfim, ele estava no começo. Início que lhe rendeu uma carreira que durou 9 anos e 3 meses de Rádio. Em maio de 1983, exatamente treze anos depois assumiu a gerência da Rádio Grande Rio AM, ficando no lugar de Carlos Augusto, seu grande Ídolo.
- Sua voz é considera uma das mais belas da região do Vale do São Francisco.
- Abriu a primeira agência de publicidade de Petrolina, agência que mantém até hoje, ilesa, digna e produtiva.
A história deixou de ser comum quando passou a ser inspiradora de jecas, marias, Josés, pessoas comuns que de ouvir falar ganharam força e disposição para tudo, inclusive ir ao dentista.
Cega guerra, amor...

Nazi-fascistas, reacionários que estrangularam sonhos de europeus e americanos. A história da Segunda Grande Guerra, para muitos causa apenas aflição na hora de prestar vestibular. Questões de múltiplas escolhas ou subjetivas fazem com que tenham uma vaga sensação de aflição correndo dentro do relógio; estudantes que só vêem o tempo voar, mas longe, muito longe estão do sentimento de medo e pavor que acompanharam por anos; homens que ainda recordam e, como se o tempo não tivesse passado, as lembranças vivas gritam dentro dos seus subconscientes, resultando em noites mal dormidas, além de tristes olhares perdidos dentro do horizonte vazio e sem esperança. Para eles, o homem é o exemplo mais sórdido da superação do poder de autodestruição.
Grandes diversidades doutrinárias e organizacionais foram características que marcaram os tempos de chumbo. Seqüelas de uma Primeira Guerra que distribuiu descontentamento em vidas no mundo inteiro, resquícios de atitudes infames, negligentes e déspotas, mas facilmente explicada quando analisada de maneira sociológica.
Mussolini na Itália ou Hitler na Alemanha duelavam separadamente rumo ao caos, guiados pela gana e imperados pelo prazer de soberania. Regimes políticos totalitários que controlavam todos os aspectos da vida humana, submetendo-os ao Estado. A supremacia da ignorância reinava. Muitos que viveram aquela época quando recordam ainda sentem a ânsia respingar lágrimas. Eram tempos difíceis.
Raça pura, eugenia, superioridade racial dos povos germânicos; resultado da insanidade de Hitler que promoveu uma das maiores perseguições aos judeus da história da humanidade. Racismo, discriminações políticas e ideológicas são o retrato de milhões de homens, mulheres e crianças pertencentes a grupos ciganos, eslavos, comunistas e, sobretudo, judeus, assassinados pela diferença, pelo desrespeito a diferença. Por trás dessa sórdida página da história, temos algumas belas histórias num paradoxo permitido pela força do universo.
Seu nome era Joana, nascera no ano de 1926, Sua mãe morrera logo depois do seu parto e seu pai sem condições de criá-la achou que seria melhor deixá-la ser criada por seu padrinho, um conhecido coronel do sertão nordestino no interior do interior, num país que não se envolveu diretamente com a guerra, mas que respirou instabilidade e insegurança. Num país que fez sua própria guerra, num sistema também negro. O poder faz o mesmo efeito... O que muda? O modo de morrer.
Nascera no século das mudanças, por ela passaram invenções, conquistas, catástrofes e, sobretudo, guerras. No baú trás lembranças doces e amargas. Vivas lembranças que faz questão em detalhar. A guerra não foge do seu álbum de fotografias branco e preto, não se formara por causa da guerra. Pensava calada e, de vez em quando, ficava ofegante fitando o tempo.
O medo fazia parte do dia e da noite de famílias que preferiam trancar-se ao ouvir aviões sobrevoarem suas casas.
Ela se destacava por não se embrenhar no mato a captura de aventuras pequenas, sonhava grande, sua busca era maior que a efêmera sensação de conquista. A imaginação guiava seus passos, fora a primeira a ler Gonçalves Dias por aquelas bandas, falava com orgulhos dos livros que colecionou ao longo de sua jornada, queria ser escritora. Possuía valores congelados, o pudor aprendera a ter desde criança. Os namoros arranjados e os sabotados pelo pai e irmão de criação, que mais tarde se tornaria seu verdadeiro amor. Viajara por mundos diversos, dentro da imaginação do impossível que possibilitou sua evolução. Delicada, fina, traçou seu destino por acreditar que não há limitação para os sonhos. A guerra não tirou dela a candura de menina nem a esperança, pelo contrário; a fez perceber que é possível aprender com os erros e a ter paciência com a ignorância humana, sem ter que ir de encontro ou ter que se igualar. Sorria na vivacidade de um anjo, sozinha percebeu que os valores mais sólidos da vida são aqueles que afirmam a existência de uma força superior capaz de transformar tristeza em alegria, transformando o que sangra no que gera esperança, a vida embalada com o amor.
Um coração passivo batia no compasso da saudade que rega seu perfeito jardim, sua fortaleza íntima, lá estão os contos, as poesias que não escreveu, mas que vivem e vez e outra saltam da sua memória fazendo netos, filhos e amigos se deliciarem com as histórias antigas. Lá estão os amigos que se foram; a família querida, o amor que também se foi. Lá estão às incertezas e as certezas, os sorrisos e as despedidas.
Quase oito décadas...
Quantos invernos, quantas primaveras! Cativando e fascinando pela paixão que ainda traz nos olhos. Histórias confirmadas pelas lágrimas imaginárias que caem silenciosas sobre sua face, histórias que estão tatuadas nas rugas das mãos que cruzam universos e desembocam no rio da saudade. Seu nome é Joana passou por tantas mudanças, muitas guerras, e hoje é paz...