domingo, março 11

Alô Locutor

A história que segue em forma de crônica é exemplo de como quando há sonho e desejo, o homem pode transpor até o limite da dor, até mesmo inventar a dor para atingir seus objetivos.


Lagoas, para quem não conhece é um lugarzinho que lembra quadro de nostalgia de infância. Fica a 135 quilômetros de Petrolina, no estado de Pernambuco, há doze anos era município de Petrolina, hoje o povoadozinho faz parte do município de Dormentes.
A história até que poderia ser contada sem poesia; sem eu ter que parar e me deleitar com gargalhadas e reflexões psicológicas. Cenas hilárias foram descritas com tanta minúcia que chego a sentir euforia.
O personagem principal é Aluísio Gomes, um publicitário, professor universitário, corretor de imóveis, ele é multifuncional em princípio por necessidade, hoje por opção. Um homem que tem muitos causos nordestinos para contar, dentre eles, o que marcou sua primeira vinda a Petrolina, nascido nas Cacimbas, Lagoas fundada pelo seu tataravô, Aluísio nutria em suas noites o sonho de ser locutor, mas nada aconteceu assim, por acaso. Tudo começou em 1968 quando seu pai finado Pedro e seu irmão Edvaldo trabalharam 28 dias numa construção de uma casa no sítio, com o intuito de como pagamento receber um rádio de pilha. Naquele tempo, nos matos, poucos possuíam tamanha tecnologia. Ele lembra com emoção a chegada do pai; montado no lombo do cabalo chamado ‘Caxias’ trazendo o mágico rádio. Em princípio olhos de admiração ficaram inertes esperando à hora de ouvir a magia das canções que saiam de dentro da caixa de madeira. Só quem podia ligar o rádio era seu Pedro, mas tarde D. Leonor (sua mãe). Aluísio tinha 11 anos, não continha a fascinação e pela madrugada acordava de mansinho, deixava a esteira apenas com o calor de seu corpo e ia de fininho ouvir a Rádio Globo do RJ, “A Turma da Maré Mansa” com Chico Anísio o programa “Seu Redator Chefe”, o Globo no Ar. A única Rádio de Petrolina que existia na época era a “Emissora Rural” que despertou nele o interesse por música, ouvia Gonzagão e Teixerinha. Decidiu que seria cantor, sua primeira composição foi realizada aos treze anos, começou a tocar violão, era autodidata, mas seu destino havia sido escrito pela lei cósmica, onde o homem é apenas o meio, a lei é superior, ele seria mesmo locutor. Foi quando nasceu nele uma idéia pra lá de doentia, esse é o mínimo que pode ser declarado nessa crônica. Decidiu que iria à Petrolina, conhecer a Emissora Rural e o radialista mais famoso da época: Carlos Augusto. Mas como convencer sua mãe, que era professora do município de Petrolina a trazê-lo a cidade?
- Para que se cumprisse à lei divina, nada seria impossível. Começou gemendo de dor. Passou três dias e três noites falando pra mãe que estava com dor no dente. Dente este; sadio, sadio... D. Leonor acabou se convencendo e trazendo o jovem Aluísio à Petrolina. Era o ano de 1971.
- A viagem foi cinematográfica: seca braba, caminhão que havia capotado, troncho de um lado, pára-brisa quebrado. DETALHE IMPORTANTE: o menino queria presentear o locutor Carlos Augusto com um jerimum que trouxe pesando cerca de 15 KG.
- Saíram por volta das 13h30 e chegaram às 17h30; a expectativa crescia com o tempo passando. Ficaram hospedados na casa de D. Gentil comadre de D. Leonor. O menino não dormiu estranhando tanto barulho, tanta diferença da cidade para a roça, barulho de carros... Cedinho de pé, aguardava o momento de sair rumo ao seu grande sonho. Fora deixado pela mãe, na frente da Emissora. A recepção foi feita por Carlos Adalto, ele lembra da gravata, camisa de manga comprida, coisa rara de se ver no mato.
- O menino nervoso pediu para ver o locutor Carlos Augusto, levou um chá de banco de 30 minutos, agarrado ao jerimum gigante, quando de repente ele é cumprimentado pelo locutor; a conversa foi rápida, não houve conversa apenas um pedido para que ele mandasse um ALÔ, a sua mãe, pai, irmãos de Lagoas, o jerimum foi entregue e o sonho de entrar para conhecer os estúdios limitados ao balcão da recepção. Saiu da Emissora direto para o dentista. Naquela época, era só apontar para o suposto dente doente e foi exatamente isso que ele fez.
- Dr. Jaime Nogueira, o homem que sem dó nem piedade arrancou-lhe um dente são. Mãe e filho voltaram à noite para Lagoas, Aluísio insatisfeito e já maquinando outra vinda à cidade do Rádio; o locutor não mandou o ALÔ, frustrando ainda mais nosso pobre menino, que não se conformava em ter perdido um dente sem ter sentido o prazer de pegar num microfone ou pelo menos ver um de perto.
- Depois de quatro meses, para gosto dele nasceu um bolso de sangue em cima de um outro dente, dessa vez não havia dor, mas era visível que havia algo de errado, foi rápido para convencer D. Leonor. No outro dia, ambos já estavam amontoados em cima de um caminhão carregado de gipsita trazida de Araripina seguindo rumo à Petrolina, ele mais uma vez perderia um dente, dessa vez uma voz lhe dizia que realizaria seu grande sonho, trouxe mais uma vez um jerimum, o maior que poderia colher de sua roça. Ficaram novamente na casa da comadre D. Gentil, foi quando pela primeira vez o jovem teve o prazer de desfrutar de um passeio à noite, pelas ruas de areia de Petrolina, passeio feito com o filho de D. Gentil até a Igreja Catedral, onde ele ficou embasbacado a admirar tamanha arquitetura e magnitude.
- Foi só no outro dia, às 7 horas da manhã, que voltou a se aproximar de seu sonho, voltou a Emissora Rural, deu o jerimum ao locutor Carlos Augusto, e lembrou que ele ficara devendo o ALÔ a sua família de Lagoas, mais uma vez não conheceu os estúdios, ficou com vontade de pedir para entrar, mas acanhado, teve vergonha e decidiu partir, saindo da Emissora, lembrou-se que quando ouvia o rádio de seu pai lá nas Cacimbas, ouvia uma outra rádio que se localizava em Juazeiro da Bahia, era a Rádio Juazeiro, foi então que decidiu também conhecê-la e marchou rumo à Bahia, pela ponte, a pé, agarrou-se com Frei Damião e Padim Ciço, o Programa que ouvia chamava-se “Uma Ponte e duas Cidades”, apresentado pelo radialista Clésio Atanásio, lembra que crônicas eram lidas escritas por Marta Benevides. O medo de cair da ponte passou, foi como se tivesse criado asas, o frio na barriga aumentava, mas ele não iria desistir. Chegando à Rádio, não só recebeu o ALÔ na hora, como conheceu os estúdios e confirmou sua vontade louca de tornar-se um locutor. Voltou feliz da vida, tinha até se esquecido que o Dr. Jaime Nogueira lhe aguardava para arrancar-lhe outro dente, também são, só meio inflamado.
- Voltou a Lagoas, com muita história pra contar, com dois dias depois ouviu o ALÔ de Carlos Augusto e se encheu de orgulho e graça frente aos amigos. Passou a treinar sua voz, com latas, caixinhas de fósforo. Dois anos e três meses se passaram quando o agora jovem rapaz decide morar em Petrolina, trazendo na mala o sonho de menino, ele seria sim, um locutor. Começou lendo evangelhos na Igreja, narrava jogos de futebol na rua sozinho, quem o via falar sozinho só zombava, achando esquisito, o jovem rapaz era apontado como louco. Foi aí que surgiu a grande oportunidade: um Programa de Calouros- “Domingo de Atrações”, datava o ano de 1976, concurso para locutor, ele se inscreveu, passaram-se meses e nada dele ser chamado para os testes, até que decidiu ir lá, quando descobriu que não haveria mais o concurso. Mas nada acontece por acaso como diz a filosofia popular, quem lhe informou foi Jorge Augusto, locutor esportivo que de cara lhe convidou para ser repórter esportivo num único jogo de futebol. Assustado, mas com a determinação que sempre esteve presente na sua vida Aluísio aceitou, foi aí que seu sonho começou a ganhar forma. Passou a ser estagiário, reserva do reserva durante meses sem receber um tostão, ele sabia que o estágio não poderia durar para sempre, foi ameaçado de ser dispensado, quase viu seu sonho ganhar rumo as Cacimbas, quando Jorge Augusto fez sua defesa e por fim realizando seu sonho, foi contratado para dar a “Hora Certa” era o ano de 1976; um ótimo começo, para ele um excelente começo, porque enfim, ele estava no começo. Início que lhe rendeu uma carreira que durou 9 anos e 3 meses de Rádio. Em maio de 1983, exatamente treze anos depois assumiu a gerência da Rádio Grande Rio AM, ficando no lugar de Carlos Augusto, seu grande Ídolo.
- Sua voz é considera uma das mais belas da região do Vale do São Francisco.
- Abriu a primeira agência de publicidade de Petrolina, agência que mantém até hoje, ilesa, digna e produtiva.
A história deixou de ser comum quando passou a ser inspiradora de jecas, marias, Josés, pessoas comuns que de ouvir falar ganharam força e disposição para tudo, inclusive ir ao dentista.

4 comentários:

Anônimo disse...

vale um filme tipo: Dois Filhos de Francisco.
É bom ver pessoas da nossa terra se erguerem com seu suor, com seu esforço.
Isso pega por osmose???

Helder CESAR pinto disse...

Bárbaro! Esse cabra é dos meus!Parabéns pelo relato Tati.

Unknown disse...

Conheci esse cara bem de pertinho...
Se tem uma coisa que eu gostava nele, era justamente isso, ouvir suas histórias... ainda mais narradas por sua bela voz, que voz... saudades rsrss

Anônimo disse...

Ele podia ser mais humilde!